10.1.10

 

Lei Contra-Natura

A presente maioria dita de Esquerda aprovou na passada sexta-feira, dia 8 de Janeiro de 2010, a Lei que permitirá o casamento entre pessoas do mesmo sexo, supostamente um velho e angustioso anseio dos homossexuais portugueses, sem querer saber do sentimento profundo da sociedade, a quem persiste em negar o direito de se pronunciar pela forma de um Referendo nacional, mais que justificado, na ocorrência de uma alteração, como esta, tão inusitada, das nossas normas e costumes ancestrais.

Trata-se de uma alteração que contende com hábitos e códigos de comportamento de praticamente todos os Povos, de todos os quadrantes civilizacionais, religiosos ou desprovidos de religião.

Tão fundamental alteração deveria, no mínimo, merecer o pronunciamento da comunidade em que ela vai operar consequências perigosas.

Sócrates e a sua corte pseudo-socialista, com o aplauso dos extremistas trotsquistas-estalinistas, promovem aqui mais uma ilusão de modernidade, para nosso espanto, com a complacência da esquerda comunista, habitualmente mais realista e comedida neste tipo de extravagâncias.

Uma simples maioria de circunstância bastou para perpetrar o nefando acto desta aprovação legislativa.

Se contássemos com gente mais firme, nas ideias e nos valores, poderíamos, entretanto, confortar-nos com a esperança de, num futuro próximo, uma outra maioria diversa da actual tomar a iniciativa parlamentar de revogação desta lei contra-natura, que pretende igualar o que não é susceptível de o ser. Assim, o caso configura-se de maior gravidade.

Para garantir direitos sociais e patrimoniais, se isto estivesse em causa, haveria várias soluções legislativas possíveis, todas, porém, excluindo o casamento destes indivíduos, visto ser aquele uma instituição-base da sociedade, dotada de dignidade própria, que ultrapassa a mera relação de duas pessoas de sexo diferente, porque dela surge, por regra, outra realidade, uma nova família, unidade social fundamental, que nem os revolucionários bolcheviques ousaram ameaçar, apesar de algumas tentativas legislativas iniciais, no contrato de constituição e dissolução do casamento, que lhe criaram nociva instabilidade.

Daí que não se entenda a posição dos comunistas portugueses, agregados a mais esta fantasia socretina da sua idolatrada modernidade.

Nem por ter sido aprovada idêntica lei noutros estados, sete, supõe-se, alguns dos quais, na verdade, bastante evoluídos do ponto de vista económico, social, científico e cultural, deveria ela tê-lo sido entre nós.

Os Povos têm culturas e sensibilidades diferentes, costumes e práticas sociais diversas, sedimentadas por evoluções contínuas, graduais, ao longo dos séculos, que cumpre respeitar, procurando evitar alterações contrárias à sua natureza, sob pena de neles se introduzirem factores nocivos, geradores de desagregação.

Estranha-se até certa tibieza da Igreja Católica, que se opôs a esta iniciativa de forma um tanto acanhada, dir-se-ia com vergonha de vincar a sua efectiva desaprovação.

Poderia e deveria ter sido muito mais enérgica e interventiva, afirmando princípios e valores provados de que é velha depositária. Se nem sempre ao longo da História os soube respeitar, na sua prática, se nem sempre lhes foi fiel, transviando-se da sua missão e do seu compromisso, nem por isso se deve hoje inibir de os retomar, proclamando-os, sem qualquer hesitação, denunciando, ao mesmo tempo, as acções que atentem, dentro ou fora da Instituição, contra a sua subsistência no seio das sociedades, que esses princípios e valores justamente permitiram desenvolver.

Foi sobre eles que as sociedades ocidentais se edificaram, mesmo quando a Igreja deles se desviou, porque, então, como sempre sucedeu, no devir das comunidades humanas, outros os empunharam e os promoveram.

A nossa civilização, a chamada civilização ocidental de base judaico-cristã, que, no caso português, incorpora também alguns valores, não religiosos, mas civilizacionais, do mundo muçulmano, acumula sinais de degradação e de decadência, há muito visíveis.

A onda esquerdista, em grande parte fantasiosa, dos anos 60 do século passado, começou por contestar e depois confundir quase tudo aquilo em que assentava a estabilidade cultural das sociedades ocidentais, as mais avançadas do mundo, sob todos os aspectos considerados, sejam eles de natureza sócio-económica, cultural ou científica.

Não sendo estas sociedades naturalmente perfeitas, longe disso, nelas existia e continua a existir espaço para a sua própria contestação, capaz de inspirar e desencadear a sua reforma, sempre que tal se mostre necessário ou conveniente ao funcionamento das suas instituições.

Em seu lugar, os contestatários mais activistas defendiam rematadas fantasias e elegiam como seus modelos sociedades organizadas em torno de ditaduras de partido único, vulgarmente sob o domínio de figuras de carismáticos Ditadores, apresentados como seres iluminados, animados dos mais generosos sentimentos, apostados em levar as suas sociedades a fins idílicos de bem-estar e de felicidade, sempre distantes, sempre adiados, terminando, invariavelmente, por se revelarem, enormes pesadelos, autênticos logros políticos, em que, sistematicamente, campeavam a pobreza, a mentira ideológica e uma repressão impiedosa, como nunca antes se conhecera no mundo, só comparável, aqui na Europa, com as experiências fascistas da Itália e da Alemanha, felizmente de muito mais breve duração e que nunca haviam despertado, nem para os seus mais ardentes prosélitos, idêntica expectativa redentora.

Terminada a mentira ideológica, derrotadas as experiências do socialismo dito científico, ei-los que regressam ao seu labor antigo de corrosão dos fundamentos das sociedades ocidentais, por vezes, incompreensivelmente ajudados por aqueles – neoliberais – que, tomados de egoísmo exacerbado, tripudiando sobre todos os valores cuja existência lhes permitiu o seu próprio conforto e a sua própria ascensão a posições de mando e de prestígio, afinal, todos juntos parecem apostados em minar a racionalidade do nosso sistema sócio-económico e o seu travejamento ético, base inequívoca da nossa civilização.

Se esta tendência nociva não encontrar a sua réplica contrária, se não for possível encontrar gente disposta a encarnar a luta contra a degenerescência das sociedades ocidentais, não se vê, na verdade, futuro decente para elas.

Com a presente alteração no conceito de casamento, ainda há escassas décadas, lembre-se, considerado pelas multifacetadas facções esquerdistas, anarquistas, trotsquistas e maoístas, como instituição retrógrada, reaccionária, ostensivamente por elas desprezada, atinge-se uma situação completamente absurda, visto que estas mesmas facções aparecem, agora, a reivindicar a possibilidade de integrar a Instituição.

Poderemos mesmo questionar-nos do seu verdadeiro intuito: requerem-no, porque passaram a acreditar na instituição casamento ou, com tal pretensão, apenas desejam desacreditá-la, primeiro descaracterizando-a, atribuindo-lhe efeitos a tipos de uniões sexuais diversas, contrárias ao seu fim último, como seja a constituição de novas famílias, objectivo que, podendo não ser primordial, permanece sempre expectável, como consequência natural das características dessa mesma união?

A situação criada, por acumulação contínua de erros, com a queda progressiva das taxas de natalidade, por falta de visão dos dirigentes das nossas sociedades, por inibição esquerdista, recalcada, em muitos deles, que os impede de traçar políticas concertadas de apoio e fomento da Família, com o favorecimento dos casamentos de homossexuais, etc., tudo isto torna dolorosamente sombrio o futuro destas mesmas sociedades.

Quando se começou a perceber que estaríamos a caminho de uma queda de crescimento da população, nomeadamente nas sociedades ocidentais, os nossos dirigentes, em lugar de conceberem políticas adequadas à inversão dessa tendência, não acharam nada melhor que facilitar as migrações de populações miseráveis, que, em desespero de luta pela sua sobrevivência, se oferecem dóceis, submissas, aceitando condições de trabalho e de vida consideravelmente inferiores às existentes nas sociedades ocidentais, em declínio populacional.

Com isto, especuladores sem escrúpulos, negociadores de tráfegos humanos, conseguem explorar uma mão-de-obra abundante e barata, geradora de lucros imediatos, ao mesmo tempo que usam este expediente para suster reivindicações salariais e sociais da parte dos trabalhadores dos países acolhedores de trabalhadores migrantes.

Este processo não é novo, mas voltou a ganhar relevância acrescida, nas últimas décadas, nomeadamente na Europa. Como consequência, os padrões de vida regrediram, como o atestam quase todos os indicadores de conforto social, sob o pretexto de que assim é preciso, para manter as Empresas europeias competitivas com as do resto do mundo globalizado, em especial com as que utilizam mão-de-obra quase escrava, no Oriente e, sobretudo, na China.

Esta argumentação, verosímil, na sua inicial formulação, contende com a verificação de que a maximização de lucros gerados por essas mesmas Empresas, cujos gestores, a seu belo talante, reservam para si opíparas condições de remuneração e privilégios de toda a ordem, atribuindo-se discricionariamente estatutos de verdadeiros nababos.

Tais fenómenos têm-se multiplicado recentemente e contêm em si mesmos enorme potencial de conflito, incompatível com a manutenção de sistemas políticos democráticos, economicamente prósperos e socialmente equilibrados, antes acabam por gerar, mais tarde ou mais cedo, turbulências sociais, que, depois, justificam medidas de repressão, cada vez mais fortes, pondo mesmo em perigo a existência do próprio sistema democrático ou, a coberto do maior cinismo, provocam a sua profunda descaracterização, esvaziando-o do seu típico conteúdo económico e social.

Tais cenários são de forte probabilidade e não meros exercícios ficcionais. Em parte, já neles nos encontramos, com crescimentos insignificantes da Economia, em grande parte desindustrializada, assente num sector de serviços desproporcionado, fomentador de precariedade e salários de miséria.

A clique socretina, que não gosta de ouvir argumentação pessimista, ainda que verdadeira, ilude a realidade, resguardando-se a si mesma, aos seus familiares e apaniguados, promovendo o povoamento do Estado e das Empresas em que mantém influência, com redes de protegidos, que propagam o fenómeno até à sua possível saturação.

Mais tarde, os excessos de pessoal das Instituições e das Empresas darão origem a despedimentos, reformas antecipadas ou rescisões de contratos de todos, excepto daqueles que nelas entraram por protectora mão política.

Tudo isto aconteceu já e continua a acontecer. E, para travar esta ominosa degradação social, de nada servem as causas fracturantes dos casamentos de homossexuais, artificiosamente agitadas por demagogos e inconscientes.

Iremos, por isso, assistir a algum movimento de resistência a semelhante situação de desgoverno nacional?

Eis o que nos cumpre verificar, sendo certo que, se não houver empenhamento de consciências e de vontades, a degradação tão cedo não conhecerá limites.

Estamos no início de um novo ano, que se prevê de intensa perturbação política, no seio de uma Economia com graves sinais de paralisia, combinação perigosa de factores, ela mesma dilatada pela fraca categoria dos principais responsáveis políticos.

É caso para proferir um voto pio: que os Fados protejam Portugal…

AV_Lisboa, 10 de Janeiro de 2010

3.1.10

 

Uma Evocação de Fernando Pessoa

No dia 1 de Dezembro do ano transacto, feriado nacional, para alguns ainda carregado de especial simbolismo, assisti a um colóquio realizado no Anfiteatro da Biblioteca Nacional, em Lisboa, para comemoração dos 75 anos da publicação da Mensagem de Fernando Pessoa.

Congratulou-me verificar que o Anfiteatro se enchera por completo, com gente sentada nas próprias escadas, no centro e nas alas, a provar que o nome do genial poeta também atrai multidões, não tão numerosas como as do Futebol, mas, ainda assim, imensa gente, mais dada à reflexão que à gritaria, permanente, o que assombra, e não esporádica, como se pode admitir em qualquer comportamento humano normal.

O painel de intervenientes, constituído por nomes com prestígio nas letras nacionais, como Eduardo Lourenço, Vasco Graça Moura e Manuel Alegre, todos eles com obra própria vasta e valiosa, no Ensaio, na Poesia, e, principalmente, os dois últimos, igualmente no conto, na novela e na crónica política. Tudo junto, presumia-se, chamaria bastante público, o que de facto aconteceu.

Eram conhecidas as características e as simpatias daqueles intelectuais: Eduardo Lourenço, pessoano profundo, convicto, leitor e estudioso antigo de Pessoa, com muitos ensaios produzidos sobre a obra deste imenso Poeta, de quem chegou a afirmar, num outro colóquio, na Gulbenkian, que, de tanto o haver lido e estudado e de tanto ter escrito sobre ele, por vezes, dá consigo a dizer frases que já nem sabe se são suas se do Poeta; Manuel Alegre, igualmente Poeta, de gosto lírico com arroubos épicos, com sensibilidade apurada para compreender Fernando Pessoa e, por fim, Vasco Graça Moura, Ensaísta e Poeta, de sensibilidade requintadíssima, condição mais do que adequada para analisar e apreciar, julga-se, a obra de Pessoa.

Eduardo Lourenço leu uma comunicação sua sobre Pessoa de uma anterior conferência, de breve extensão, que funcionou como introdução ao colóquio.

No seguimento, falou-se sobretudo do Poema Mensagem, das circunstâncias em que ele surgiu e VGM referiu as similitudes e as influências que nesta obra encontrou, em especial, provenientes das obras «O Último Lusíada» e «Lusitânia» de Mário Beirão, escritor contemporâneo de Pessoa, que também se ocupou da História de Portugal, dos seus heróis e dos seus ícones mais representativos.

Estas obras de Mário Beirão vindas a público depois da implantação da República, entre 1913 e 1917, receberam críticas e referências favoráveis de Pessoa em artigos para revistas da época e em cartas que Pessoa lhe remeteu, onde ficou bem patente a estima que por ele nutria.

Na sessão, VGMoura haveria de desempenhar o papel de Advogado do Diabo, a que se dedica com estranho gozo, de cada vez que se trata de analisar a obra de Pessoa.

Ali, mais uma vez, brihou essa sua faceta, difícil de entender em alguém que tem a obrigação, não digo de gostar, mas, pelo menos, de reconhecer o valor literário presente na obra de Pessoa.

VGMoura entreteve-se a catar frases de Pessoa, entre os muitos milhares delas que ele escreveu, das quais o elemento lógico andou arredio. Sabe-se como Pessoa se comprazia em gerar frases contraditórias, com conteúdo ambíguo ou obscuro ou não fosse ele um amante de saberes esotéricos, astrologias e futurismos, tudo amalgamado naquela sua pródiga cabeça, máquina incessante de pensar, num ritmo a que ele próprio dificilmente conseguia corresponder.

Parece, pois, descabido, ainda mais a um intelectual da envergadura de VGMoura, atribuir significado especial a essas frases exóticas de Pessoa, perdidas no vasto oceano da sua produção literária, marcada por largos extractos de indesmentível genealidade.

Para além do selecto grupo de amigos de Pessoa, que em vida o conheceu, com ele conviveu e desde sempre nele reconheceu o fulgurante génio literário que o animava, logo patente nas suas primeiras manifestações, nos poemas e artigos que publicava nas revistas de vanguarda da época, em que destacadamente participava, desde a sua morte, em 30 de Novembro de 1935, que um extenso rol de estudiosos, em que avultam nomes como : João Gaspar Simões, Jorge de Sena, Adolfo Casais Monteiro, Agostinho da Silva, Jacinto do Prado Coelho, David Mourão Ferreira, Joel Serrão, José Augusto Seabra, Yvette Centeno, António Quadros, Eduardo Lourenço, sem falar de nomes mais recentes, mas não menos importantes na exegese da obra pessoana, como Teresa Rita Lopes, Maria José de Lencastre, Manuela Parreira da Silva, Fernando Cabral Martins, Richard Zenith, etc., etc., se tem consagrado a analisar e a confirmar o seu altíssimo génio de Poeta, se não mesmo de pensador prolífico.

Igualmente no Estrangeiro, ele tem concitado a admiração de ilustres académicos, dos mais variados cantos do mundo, todos eles atraídos pela originalidade do pensamento literário de Pessoa.

Fica mal a VGMoura insistir neste absurdo papel de crítico desfavorável do nosso maior valor literário da época contemporânea, só comparável ao do distante Camões, com quem, aliás, Pessoa, um tanto irracionalmente, se terá emulado, o que talvez esteja na origem do desagrado de VGMoura, distinto estudioso e grande apreciador do nosso Vate quinhentista.

Tal não deveria, no entanto, servir a VGM para tão persistente desamor da obra de Pessoa, que é vastíssima, nos assuntos abrangidos, na profundidade e na originalidade com que os acometeu.

VGMoura parece, por vezes, comprazer-se em ir contra a corrente. Neste caso, porém, procede erradamente, como, de resto, sempre que se esfalfa em defender figuras políticas menores, sem obra, sem competência e sem credibilidade ética para as altas funções a que se propõem.

Temo-lo visto esbanjar talento e crédito pessoal nessa sua inglória função, responsável até por certa alergia que desperta em largos sectores da opinião pública, não obstante o quase unânime reconhecimento que neles colhe quanto aos seus dotes literários.

Por outro lado, devemos ter em conta que Pessoa escreveu desmesuradamente, sem tempo ou cuidado de revisão e apenas preparou e reviu para publicação um livro, Mensagem, dado à estampa em 1 de Dezembro de 1934, com o qual concorreu ao Prémio Antero de Quental, instituído pelo Secretariado de Propaganda Naciona (SPN), na modalidade de Poesia.

A este respeito, convém esclarecer as circunstâncias em que a sua obra Mensagem foi premiada, já que é muito corrente a versão de que Pessoa teria ganho apenas o segundo lugar, tendo o primeiro sido concedido a outro autor, Vasco Reis, pelo livro Romaria.

Sabe-se que os amigos de Pessoa, entre os quais se contava António Ferro, director do SPN, ele próprio também fino literato, adepto do Modernismo artístico dos princípios do século XX, havia tempo que lutavam pelo seu reconhecimento público, visto que até então – 1934 –Pessoa não havia publicado nenhum livro, mas apenas poemas avulsos, artigos e panfletos, em jornais e revistas da época.

Do júri então constituído, faziam parte, além de António Ferro, seu Presidente, mas apenas com voto de desempate, Alberto Osório de Castro, Mário Beirão, Acácio de Paiva e Teresa Leitão de Barros.

Este júri, baseado em rigoroso formalismo regulamentar, que distinguia duas categorias de prémios, consoante o número de páginas das obras a concurso, atribuiu o Prémio de Antero de Quental, na categoria de livro de Versos com mais cem páginas, à obra «Romaria» do Padre Vasco Reis, com o valor pecuniário de 5 000 escudos e o Prémio Antero de Quental, na categoria de Poema ou Poesia Solta, ao livro «Mensagem», de Fernando Pessoa, com o valor de 1 000 escudos, justamente porque este não tinha as 100 páginas exigidas no regulamento, para entrar na categoria de livro de poesia.

Foi, portanto, uma razão meramente burocrática, resultante de estrita obediência ao regulamento, que determinou a distinção pecuniária dos prémios e não uma decisão de ordem estético-literária, facto que não deixa de causar algum espanto, quer porque no júri estavam amigos dilectos de Pessoa, com conhecimento fundado dos seus méritos literários, quer porque o próprio presidente do júri era também amigo de Pessoa, empenhado em promover o seu nome, nos meios artísticos e intelectuais do País.

António Ferro, contudo, num gesto extraordinário de justiça, decidiu atribuir a Pessoa o mesmo valor pecuniário de 5 000 escudos que o concedido a Vasco Reis.

Crê-se até que, nos círculos do Salazarismo, então em notória ascensão, haveria a esperança de recrutar Fernando Pessoa para a sua causa política, confiados na suposta analogia dos seus interesses com os do Poeta, dada a constante atenção que este dedicava a temas de cariz nacionalista, épico, com o declarado fito de exaltar o sentimento de orgulho pátrio dos Portugueses.

Este equívoco viria a desfazer-se pouco depois, no início de 1935, com a saída da lei do Regime sobre sociedades secretas, que visava primordialmente liquidar a actividade da Maçonaria.

Pessoa, muito sensível a tudo o que tocasse a liberdade individual, sentindo-se também particularmente atingido na sua simpatia por práticas ocultas, esoterismos e seitas secretas, reagiu, protestando com veemência, num artigo publicado no Diário de Lisboa, em Fevereiro daquele ano.

Mais tarde, em Junho, consumava-se a dissidência política, com a publicação por Pessoa do poema «Elegia na Sombra», de índole fortemente contrária à exaltação patriótica do gosto do Regime. Basta atentar-se no início do Poema:

Lenta, a raça esmorece e a alegria
É como uma memória de outrem. Passa
Um vento frio na nossa nostalgia
E a nostalgia touca a desgraça

Pesa em nós o passado e o futuro.
Dorme em nós o presente. E a sonhar
A alma encontra sempre o mesmo muro,
E encontra o mesmo muro ao despertar.
………………………………………………………….
…………………………………………………………

De resto, o nacionalismo de Pessoa nunca se casaria bem com o do regime salazarista. Para este, Portugal vivia já uma época de regeneração intensa, sob a direcção forte de Salazar, ao passo que Pessoa falava de algo muito maior a acontecer no futuro, no seu Quinto Império, não material, mas de fundamentação essencialmente cultural e espiritual.

Era, assim, um nacionalismo messiânico, marcadamente sebastiânico, distante do nevoeiro de então, apagado, deprimente, como já Camões o havia vislumbrado, no final da nossa segunda dinastia, nas vésperas da absorção filipina de Portugal.

Nada disto, no entanto, se congraçava com o espírito autoritário, factual, positivista que o Salazarismo afirmava, não confundindo valores, não discutindo arquétipos, como Deus, Pátria e Autoridade :

«Às almas dilaceradas pela dúvida e pelo negativismo do século, procurámos restituir o conforto das grandes certezas. Não discutimos a Pátria e a sua História; não discutimos a autoridade e o seu prestígio; não discutimos a família e a sua moral; não discutimos a glória do trabalho e o seu dever»

Estas palavras proferidas por Salazar, em 1936, na comemoração do 1º decénio da revolução de 28 de Maio, a que derrubara a chamada 1.ª república, enredada em sucessivas crises políticas, económicas e financeiras, que haviam colocado o País à beira da bancarrota, dificilmente se conciliariam com um pensamento, como o de Fernando Pessoa, neste domínio, demasiado etéreo, algo nebuloso, quimérico, ainda que sumamente original e eminentemente criativo.

Por ironia, na altura em que parece ocorrer a aproximação política de Pessoa com o Salazarismo, este consolidava-se, em plenitude autoritária, iniciando o seu longo domínio político do País, enquanto Pessoa viria a acentuar o seu pensamento divergente, ao mesmo tempo que se abeirava do fim súbito da sua curta vida, morrendo aos 47 anos, em 30 de Novembro de 1935, como referido, acometido de uma crise hepática, segundo consta, quase desconhecido do Povo que, por opção, fez seu, enterrado com discrição no Cemitério dos Prazeres, para vir a ser trasladado, com pompa e circunstância, na evocação do centenário do seu nascimento, em 1988, para os Jerónimos, onde repousam os restos mortais de alguns dos mais insignes filhos da Pátria.

Desta forma, pode mesmo dizer-se que Pessoa, depois de morrer, confirma a sua imanente contradição, contrariando o famoso «Sic transic gloria mundi», ainda que para si a glória tenha chegado tarde, inexoravelmente tarde...


AV_Lisboa, 03 de Janeiro de 2010

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